terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Parecer CME nº 14/2015

Parecer CME nº 14/2015
Responde consulta do Centro Municipal de Educação Básica Oswaldo Aranha referente às faltas intercaladas de aluna de etnia cigana e orienta o atendimento de educação escolar para populações em situação de itinerância.

O Conselho Municipal de Educação de Esteio, com fundamento no art. 11, Inciso IV da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nas Leis Municipais Nº 3.644, de 30 de dezembro de 2003, art.5º Inciso VII e Nº 4.452, de 19 de novembro de 2007, art. 2º, Incisos XV e XVI possui a competência de credenciar e autorizar o funcionamento dos estabelecimentos de ensino do Sistema Municipal de Ensino de Esteio.


Relatório
O Centro Municipal de Educação Básica Oswaldo Aranha, situado na Rua Rio Grande, nº 1285, Centro – Esteio, Fone: 3473 6079, que tem como mantenedora a Secretaria Municipal de Educação e Esporte, encaminhou a este Conselho consulta referente a procedimentos que a escola deve adotar em relação à infrequência da aluna Y.F., que possui faltas intercaladas por ser de etnia cigana e acompanhar a mãe nas atividades culturais da família. As questões formuladas são:
...As faltas intercaladas […] , caracterizam itinerância?
...Em caso positivo, a aluna não deveria frequentar outra instituição de ensino no local de destino dos compromissos da família?

Análise
O referido tema é de grande relevância na atualidade, pois se refere à situação vivida por um grupo significativo de crianças, adolescentes e jovens brasileiros, considerando uma categoria que envolve além de ciganos, outros grupos sociais, as populações em situação de itinerância.
A Convenção Nº 169, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, no art. 14, item I, trata sobre os povos nômades e agricultores itinerantes, sendo que o Brasil é signatário da referida Convenção. O tratado internacional citado estabelece que os programas e os serviços de educação


destinados às populações com culturas diferentes, interessadas, deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com os povos, a fim de responder as suas necessidades particulares, conforme transcrito abaixo:
Art. 27
1. Os programas e serviços educacionais concebidos para os povos interessados deverão ser desenvolvidos e implementados em cooperação com eles para que possam satisfazer suas necessidades especiais e incorporar sua história, conhecimentos, técnicas e sistemas de valores, bem como promover suas aspirações sociais, econômicas e culturais.
2. A autoridade competente garantirá a formação de membros dos povos interessados e sua participação na formulação e implementação de programas educacionais com vistas a transferir-lhes, progressivamente, a responsabilidade pela sua execução, conforme a necessidade.
3. Além disso, os governos reconhecerão o direito desses povos de criar suas próprias instituições e sistemas de educação, desde que satisfaçam normas mínimas estabelecidas pela autoridade competente em regime de consulta com esses povos. Recursos adequados deverão ser disponibilizados para esse fim.

Art. 29 O ensino de conhecimentos e habilidades gerais que permitam às crianças dos povos interessados participar plenamente, e em condições de igualdade, da vida de suas comunidades e da comunidade nacional deverá ser um dos objetivos da educação oferecida a esses povos.

Art. 30
1. Os governos adotarão medidas adequadas às tradições e culturas dos povos interessados, para que possam tomar conhecimento de seus direitos e obrigações, principalmente no campo do trabalho, das oportunidades econômicas, da educação e da saúde, dos serviços sociais e dos direitos decorrentes da presente convenção.
2. Se necessário, isso deverá ser feito por meio de traduções escritas e dos meios de comunicação de massa nos idiomas desses povos.

Art. 31 Medidas de caráter educacional deverão ser tomadas entre todos os setores da comunidade nacional, particularmente entre os que se mantêm em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo de eliminar preconceitos que possam ter em relação a
esses povos. Para esse fim, esforços deverão ser envidados para garantir que livros de história e outros materiais didáticos apresentem relatos equitativos, precisos e informativos



das sociedades e culturas desses povos.(Convenção Nº 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT).

Ainda pode ser considerada a Convenção sobre os direitos da Criança
Decreto Nº 99.710, de 21-11-1990 que foi concebida tendo em vista a necessidade de garantir a proteção e cuidados especiais à criança, incluindo proteção jurídica apropriada, levando em consideração que em todos os países do mundo existem crianças vivendo em condições extremamente adversas e necessitando de proteção especial, que traz:
Artigo 2
1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.

Além das normas acima, o artigo 29 da Lei Nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que regulamenta as profissões de artistas em espetáculos de diversões, também garante aos pais/responsáveis, trabalhadores em atividades circense, ciganos e outros grupos, o direito à matrícula dos filhos.
Art. 29. Os filhos dos profissionais de que trata esta lei, cuja atividade seja itinerante, terão assegurada a transferência da matrícula e consequente vaga nas escolas públicas locais de 1º e 2º graus, e autorizada nas escolas particulares desses níveis, mediante apresentação de certificado de origem.

A Constituição Federal, no Título Direitos e Garantias Fundamentais, no art. 6º caput, estabelece a educação como um direito social. Ainda, o art. 7º, inciso XXV, do mesmo dispositivo legal, “assegura aos trabalhadores urbanos e rurais assistência gratuita aos filhos e dependentes, desde o nascimento até 5 (cinco) anos em creches e pré-escolas”. O art. 208, incisos I, II e IV, entre outros, desta norma máxima, estabelecem a obrigatoriedade da oferta da Educação Básica, constituindo o acesso a quaisquer de seus níveis um direito subjetivo. Por ser a educação um direito fundamental, estas normas devem ser aplicadas de maneira plena, imediata e integral, independente

da existência de normas infraconstitucionais que a regulamentem, conforme previsto no art. 5º, parágrafo 1º.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Nº 8069/1990, no art. 55, dispõe que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. No caso de omissão ou inércia da família em relação à regularização da matrícula escolar dos seus filhos configura-se infração administrativa, sujeita à multa de três a vinte salários mínimos, previsto no art. 249 do referido Estatuto.
Em relação ao local onde a criança deve frequentar a escola, a Lei Nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, cita a expressão “domicílio do educando” no art. 77, § 1º, quanto à “residência” da criança art. 4º, inciso X, nos termos a seguir:
Art.4º-O dever do estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
(…)
X - vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.

Enquanto que o Código Civil brasileiro, no art. 72, parágrafo único e o caput do art. 73 estabelecem:
Art.72.[...]
§ único - Se a pessoa exercer profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73 – Ter-se-á por domicílio das pessoas naturais, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
Pelo exposto, fica claro que existem orientações para atendimento de educação escolar para populações em situação de itinerância expressas em leis ordinárias e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, a partir de normas superiores, de natureza constitucional que garantem às crianças e adolescentes o acesso à educação como direito fundamental.
A partir dessas normas e direitos e pelo reconhecimento da não existência de legislação específica no campo educacional brasileiro no que se refere a ordenamentos jurídicos que regulamentem os casos de crianças e adolescentes em situações de itinerância, foi emitido no ano de 2011, pelo Conselho Nacional de Educação, o Parecer CNE/CEB Nº 14/2011.


Considerando este Parecer, foi criada a Resolução CNE/CEB Nº 3/2012, de 16 de maio de 2012, que define diretrizes para o atendimento de educação escolar para populações em situação de itinerância. Este parecer garante, além da matrícula, a permanência e conclusão dos estudos, o respeito a diversidade cultural, sem embaraços ou discriminações.
Dessa forma, não se pode admitir a existência de discriminação ou distinção que prejudique o acesso e a permanência à educação básica de crianças, adolescentes ou jovens itinerantes, filhos ou pupilos de trabalhadores circenses, povos ciganos e com diversidades culturais. Portanto, incumbe ao Poder Público a responsabilidade e a obrigação de oferecer vagas na Educação Básica para todos. O acesso a ela deve e pode ser exigido por qualquer pessoa. Da mesma forma, cabe aos pais/responsáveis o dever de matricular os filhos, independente da profissão que exerçam.
Cabe, ainda, esclarecer, em função da pergunta formulada na consulta “...As faltas intercaladas […], caracterizam itinerância?” que a itinerância é característica cultural e/ou profissional de determinadas populações, que podem ocasionar faltas consecutivas e/ou intercaladas dos alunos.
Em face ao exposto, as escolas deverão estabelecer diálogo com as famílias, ouvi-las e decidir em conjunto estratégias para o melhor atendimento dos direitos dessa coletividade (ciganos, circenses, indígenas, quilombolas, agricultores, etc) itinerante. Este é o papel da escola democrática: construir sua prática a partir da realidade social da comunidade atendida.

Conclusão
O Conselho Municipal de Educação de Esteio, tendo em vista a consulta do CMEB Oswaldo Aranha, nos termos da análise acima e orienta que:
  • as escolas solicitem declaração do(a) responsável legal do(a) aluno(a) que pertença a população em situação de itinerância, informando sua condição cultural ou étnica, atendendo o Artigo 3º da Resolução CNE/CEB Nº 3/2012;
  • na ocorrência de faltas consecutivas ou intercaladas do(a) aluno(a), nos termos do inciso 1º e 3º do Artigo 4º da Resolução CNE/CEB N º 3/2012, respectivamente, as instituições de ensino desenvolvam estratégias pedagógicas adequadas às suas necessidades e ofereçam atividades complementares para assegurar as condições necessárias e suficientes para a aprendizagem.



Aprovado por unanimidade pelos conselheiros presentes na Sessão Plenária Ordinária de 19 de novembro de 2015.




Esteio, 19 de novembro de 2015.


Conselheiros presentes: Elaine Silveira Teixeira Ferreira, Maria Eduarda Chitolina, Iris Silvana da Silva Lemos, Adriana Chilante de Paula, Hiasmin de Fátima da Silva Lemos, Tatiana Marques da Silva Parenti, Flaviane Boeger da Luz, Josiane Costa Godoi, Marcelo Ohlweiler, Alessandra de Vargas, Adriana Kovalczyk Manera, Neidi Ittner e Luciméia Gall König.





Elaine Silveira Teixeira Ferreira

Presidenta do Conselho Municipal de Educação de Esteio

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